Enquanto o Brasil ainda persegue um Nobel que possa, de fato, chamar
de seu - nascido no País, mas naturalizado britânico, Peter Medawar
ganhou o de Medicina em 1960 -, os Estados Unidos empilham prêmios como
quem ganha medalhas em olimpíadas escolares. Das 10 universidades com mais cientistas condecorados,
apenas duas não são americanas. Na última edição, foram seis cidadãos
do país agraciados. Entre eles, o professor de astronomia e física da
Universidade Johns Hopkins Adam Riess, vencedor na categoria Física, que em entrevista exclusiva ao Terra projetou uma conquista brasileira. Mas não tão cedo.
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"É como se os Estados Unidos quisessem ganhar a Copa do Mundo de
futebol. Vai precisar de gerações de jogos, treinos e ensinamentos até
isso acontecer", compara, destacando que só ganhou porque teve muita
dedicação, investimento e apoio da comunidade científica.
Confira a seguir a entrevista completa com Riess.
Terra - Quão inovadora tem de ser uma pesquisa par ganhar um Prêmio Nobel de ciência?
Adam Riess - No caso da Física, você tem que descobrir uma
física nova, ou alguma coisa que seja muito fundamental. Não importa
tanto descobrir detalhes, mas mudar a forma como se percebe o mundo, o
modelo e paradigma que se tem, e por isso tem que ser muito
significativo. Não acho que precise mudar a vida das pessoas ou gerar
algum tipo de tecnologia nova, mas gerar uma mudança bastante
fundamental, profunda e de longo alcance.
Terra - Como a sua pesquisa contribuiu para uma nova visão de mundo?
Riess - O que realmente ganhou o Prêmio Nobel foi ver que a
expansão do universo está acelerando, e para que isso aconteça, sabemos
que a física que conhecemos não podia ser toda a história. Nossa
pesquisa descobriu que há uma Energia Escura no universo, o que
significa que há energia no vácuo do espaço. E de acordo com a teoria de
relatividade de Einstein, isso causaria uma gravidade repulsiva no
espaço para expandir o universo. Se fosse só isso, já seria uma
descoberta incrível. Mas também significa que ainda há uma física que
não entendemos. Então minha pesquisa foi vista como uma física nova, de
longo alcance, e acho que foi por isso que ganhamos.
Terra - Quanto tempo demorou desde que você começou a estudar até ganhar o Prêmio Nobel?
Riess - É engraçado porque a partir do momento em que comecei a
estudar até fazer a descoberta foi um período muito curto. Fiz
pós-graduação quando tinha 22 anos, e realmente não comecei a trabalhar
em qualquer coisa até os 23, 24 anos. E nós fizemos a descoberta quando
eu tinha 28, o quê, para mim, parece incrível. Mas eu ganhei o Nobel com
41, então, se passaram 13 anos desde a descoberta. A maior parte deste
período foi o tempo que demorou para as pessoas verificarem se era tudo
verdade. E isso é normal. A média de tempo entre a descoberta até ganhar
o Prêmio Nobel é de 15 anos. Eles querem ter certeza de que está tudo
certo.
Terra - Ganhar o Prêmio Nobel era um objetivo de carreira?
Riess - Não. Nunca esteve no meu radar. Nem pensei que poderia
ganhar. Meus objetivos eram bem mais baixos, como 'meu Deus, espero que
possa conseguir um emprego um dia' ou 'eu realmente gostaria de ensinar
numa universidade'. Meus sonhos eram muito modestos.
Terra - Você ficou surpreso ao ganhar?
Riess - Sabe que é engraçado? Fiquei surpreso porque nós fizemos
algo que poderia ganhar. Mas depois de tantos anos, com pessoas dizendo
a você que pode ganhar o Prêmio Nobel, e lendo listas de 'pessoas que
podem ganhar o Prêmio Nobel' com seu nome, por um lado te convence que
isso pode acontecer. Por outro lado, você sabe como, em jogos de
beisebol, as vezes os jogadores batem a bola para as arquibancadas?
Quando você é criança sonha que vai pegar uma bola dessas. Mas as
chances de que a bola venha para você é de 1 em 60 mil. Me sinto como se
tivesse ido a um jogo, rindo do fato de que trouxe uma luva para pegar a
bola, e de repente bateram a bola direto para mim. E mal posso
acreditar que isso aconteceu.
Terra - O Brasil tem uma expectativa de ganhar o Prêmio Nobel, uma
vez que tem investido mais em pesquisa científica nos últimos anos.
Além de investimento, o que é preciso para ganhar?
Riess - Acho que precisa pessoas, não apenas dinheiro. É preciso
gerações de cientistas para eventualmente gerar uma curiosidade de
pesquisa científica. Não adianta sentar e dizer: vamos ganhar um Prêmio
Nobel, o que devemos fazer primeiro? Mas eu acho que quando você tem uma
comunidade científica vibrante, de pessoas que estão trocando
informações e interagindo, eventualmente isso acontece. E se você
analisar os vencedores do Prêmio Nobel, você vai ver que era este o
ambiente em que trabalhavam. Tem que ter paciência. É como se os Estados
Unidos estivessem querendo ganhar a Copa do Mundo de futebol. Vai
precisar gerações de jogos, treinos e ensinamentos até isso acontecer.
Terra - O governo brasileiro tem um novo programa, Ciência sem
Fronteiras, que promove um intercâmbio de estudantes para que se
exponham a outras comunidades científicas pelo mundo. O quanto isso pode
contribuir?
Riess - Isso é muito importante. Pessoas diferentes trazem
perspectivas diferentes e novas soluções para os problemas. Nem tudo é
publicado nos artigos que você pode apenas ler. Tem também que conversar
com as pessoas. Especialmente se você é o novo na vizinhança. Você
definitivamente tem de sair mais e conversar com os vizinhos. E assim
descobrir novas abordagens.
Terra - Mas há críticos que dizem que o Brasil deve se concentrar
em resolver alguns dos problemas do País, como o sistema público de
saúde, por exemplo, em vez de financiar programas de fomento a ciência. O
mesmo poderia ser dito sobre os Estados Unidos. Qual você acha que deve
ser o equilíbrio?
Riess - Entendo que, em geral, você tem de investir na solução
de problemas. Quando você faz isso, tem de investir numa ampla gama de
programas diferentes, porque você não sabe quais serão bem-sucedidos.
Então, acho que é saudável fazer um pouco de ambos - ciência e saúde
pública, por exemplo. Por que se você investir em um grupo de pessoas
que estão interessados em cosmologia você pode ter resultados muito
gratificantes. E o Brasil tem uma comunidade científica muito forte e
interessante. Eu sei, pois tivemos muitos estudantes brasileiros por
aqui. E, por isso, o dinheiro que você investir será muito bem
aproveitado.
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